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Beleza e bem estar

A história do «Per Fumum» na Roma Antiga

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História Per Fummus Romano

Nos dias de hoje, o uso do perfume tornou-se indispensável. Usamos fragrâncias e loções aromatizados para o nosso corpo, criamos ambientadores agradáveis para uso nas nossas casas e até mesmo quando saímos de casa, o perfume está sempre presente. Nunca damos por falta de um cheiro agradável no nosso corpo, dada a importância do nosso olfato. Estas tradições que se encontram tão vivas na nossa sociedade são fruto de uma longa raiz histórica da humanidade, desde os tempos do antigo Egipto e da antiga Grécia. O mais antigo registo que se conhece remonta a 1850 a.C., com a descoberta arqueológica de uma fábrica de perfume localizada no coração de Chipre, local de onde nasceu a deusa Afrodite, a deusa do amor que criou e simboliza o perfume.

O perfume personificado por Afrodite teve um significado religioso para os antigos gregos, sendo exclusivamente usado em rituais realizados durante ambientes fúnebres ou em festivais religiosos. De entre as figuras gregas mais conhecidas, Teofastro foi considerado um dos primeiros autores a escrever sobre a arte da perfumaria. Esse autor publicou um tratado sobre o perfume em 323 a.C., e o seu interesse pelas fragrâncias proveio de sua grande destreza no estudo da botânica.

Duas dominas nas termas romanas, representação por The Perfume Society.

Mas foi na Roma antiga que os perfumes tiveram um maior impacto. Tal e qual como hoje, os perfumes eram uma parte importante do dia-a-dia dos patrícios, a classe social mais abastada. O perfume usava-se em forma de vapores, óleos corporais ou através de incensos nas grandes cerimónias ou festivais religiosos, não muito diferente da antiga Grécia. Surge por influência grega e egípcia (de onde provinham as plantas por excelência) e é Plínio-o-Velho quem nos descreve o processo de produção de um perfume, naturalista romano que viveu entre 29 d.C. e 79 d.C.

A palavra perfume advém do latim “per fumum” que significa “através do fumo”. Era através do azeite, mirra e Olíbano que se produziam os incensos, queimando a sua essência e libertando os aromas através do fumo. O incenso seria colocado em lucernas ou nas próprias aras votivas ou funerárias, em honra dos deuses e dos defuntos, sobretudo em veneração à deusa Vénus.

O uso de unguentários

Os perfumes mais comuns eram feitos em forma de unguentos óleos hidratantes para perfumar a pele. Estes unguentos eram produzidos a partir de uma base líquida (que hoje substituímos pelo álcool) e uma essência perfumada obtida a partir da fragrância das plantas ou outros materiais vegetais – sementes, folhas, cascas, entre outros. Esta essência podia ser estabilizada com sal, mel ou resinas. Para além da pele e do cabelo, acreditava-se que o perfume ajudava na indigestão e no combate à febre, sendo, por isso, também utilizado na própria comida. No caso dos odores, eram utilizados “desodorizantes” (em forma de pastas oleosas) feitos a partir de alúmen e pétalas de rosa.

Aqueles que não usavam perfumes eram chamados de bárbaros pois o perfume era visto não apenas como uma luxúria, mas como um ato necessário de pureza e de sofisticação. De tal forma que os romanos abusavam dos perfumes: segundo Plínio-o-Velho, um fugitivo foi encontrado no seu esconderijo através do intenso cheiro a perfume que carregava consigo.

Em Pompeia, foi descoberto numa domus (casa romana) paredes pintadas com frescos que datam de 72 d.C., muito bem conservados em que é possível verificar trabalhadores (putti) que produzem uma essência, através de determinados instrumentos e receitas, e vendendo-a a uma senhora, que a testa no seu braço momentos antes de comprar o produto. É o registo mais completo que existe sobre a produção do perfume na Roma antiga.

Frescos romanos de Pompeia, com vários puttí a produzirem o perfume extraíndo a sua essência através da prensa. Na fase final, observa-se uma senhora a experimentar o produto final no seu braço. Fotografia de Eve D’Ambra.

Para além deste registo, foi também descoberta uma perfumaria completa em Pompeia. Os arqueólogos recolheram prensas, um volume considerável de unguentários e restos paleobotânicos de sementes e essências florais que eram utilizadas na produção do perfume, permitindo estudar o processo de produção do perfume:

“Além de um grande número de frascos e unguentos [encontrados em recipientes] cerâmica e vidro, que comprovam a venda ao público dos perfumes, também conseguimos analisar toda a cadeia produtiva e esclarecer como é que se produziam essências” disse Macarena Bustamante-Álvarez, uma das arqueólogas que participou neste estudo, citada pelo jornal ABC.

Como se produzia um unguento?

A base líquida mais frequentemente usada eram o omphacium, um óleo extraído de azeitonas ou uvas verdes. De seguida, misturava-se à base uma essência produzida a partir de raízes ou folhas esmagadas (com recurso a um almofariz), colocada num saco de linho e deixadas a molho a uma temperatura moderada. Ou, através da própria destilação, colocando o óleo e a essência em frascos de barro enterrados na areia (método mais comum no Egipto) ou durante uma semana ao sol, até que a água evapore na totalidade, obtendo-se uma pasta oleosa.

Unguentos romanos de vidro incolor e vidro verde, produzidos a molde: Antiquarium di Lucrezia Romana

O uso do óleo, por sua vez, permite com que o perfume seja mais subtil em comparação com o álcool, que rapidamente evapora. Sendo subtil, seria necessário aproximar à pele, para que o cheiro se mantivesse intenso. Em alguma regiões, o uso do óleo de amêndoa também seria comum, mas não na mesma dimensão que o óleo de azeitona – para além de que a azeitona seria mais barata.

No que diz respeito à essência, usavam-se desde flores, raízes, folhas ou sementes e outros ingredientes derivados de animais, como é o exemplo do almíscar (glândulas que libertam hormonas pelo macho, para atrair fêmeas) nomeadamente de veado e de gato assim como âmbar cinza ou âmbar de baleia, uma secreção biliar produzida nos intestinos de cachalote – estes seriam certamente os ingredientes mais caros. Estes ingredientes seriam moídos num almofariz e misturados com os fixadores, como a resina ou o mel, da qual, em combinação com estes, ganham um odor agradável e de maior intensidade. Esta essência é finalmente deixada a molho a uma temperatura moderada.

Plínio-o-Velho (79 d.C.) em Naturalis Historia:

“Os unguentos são constituídos por dois elementos: os sucos e as partes sólidas. Os primeiros consistem geralmente de diversos tipos de óleos, os últimos de substâncias odoríferas… de entre os unguentos mais comuns atualmente, e por essa razão considerados os mais antigos, está o composto por óleo de mirto, cálamo, cipreste, chipre, mástique e da casca de romã…. Telinum é feito de azeite fresco, cyperus, cálamo, trevo-de-cheiro, feno-grego, mel, árum e manjerona doce. Foi o perfume da moda no tempo do poeta cómico Menander [cerca de 300 a.C.].”

Plínio o Velho, Naturalis Historia (Historia Natural), livro XIII, capítulo 7, parágrafo 9.

Quais os ingredientes mais comuns?

Através de Plínio-o-Velho, podemos observar os cheiros favoritos da antiga Roma. De entre estes, ficamos a conhecer o perfume favorito de Júlio César: o telinum, perfume feito a partir de óleo de violeta, cálamo, feno-grego e manjericão.

Ingrediantes mais comums na Antiga Roma, imagem de Leanna Serras.

Para além do telinum, outros ingredientes mais comuns foram listados por Plínio-o-Velho: rosas, jasmim, violetas, lírio, a amêndoa, mirtilos, mel, pimenta, âmbar, cipreste, mirra, gengibre, cardamomo (semente de gengibre), noz-moscada, dente de alho, cânfora, sândalo, etc. Do oriente, descobriram fragâncias exclusivas e exóticas – baunilha, glicínias, cravo e lilás – e do Oriente: pinho, gengibre, mimosa e cedro.

Nos banhos, usavam essencialmente narciso, jasmim, lírio e violeta, assim como óleo de substâncias tão comuns como o sândalo.

O uso do perfume nos banhos romanos

Na antiga Roma nunca existiu o hábito de tomar banho em casa. Na verdade, todos os romanos tomavam banho num espaço comum: as termas romanas. Eram espaços públicos para convívio e de higiene. O processo era sempre igual: os patrícios despiam-se no apodyterium e os seus escravos cuidavam dos seus pertences e esfregavam no corpo do seu senhor o óleo tão essencial, os unguentos que referimos anteriormente. Os banhos não serviriam apenas para conviver pois eram também espaços de exercício físico e de saúde – os banhos quentes aliviavam as dores do reumatismo e atrites. Os óleos também serviriam para efeitos medicinais, no tratamento de problemas de pele e para manter a hidratação da mesma. As termas eram pulverizadas com água de rosas, violeta, jasmim ou lírio. Também os militares tinham o hábito de pulverizar nos seus acampamentos militares água de essência floral.

A arte da perfumaria nas termas romanas, imagem de The Parfum Society

Naturalmente, os banhos não seriam assim tão higiénicos. As águas não seriam mudadas com frequência e sendo um espaço público, ficaria suscetível a doenças uma vez que as bactérias concentravam-se nos espaços. Séneca, conselheiro de Nero e filósofo romano que vivia perto de um espaço termal, em 65 d.C. (séc. I d.C.), critica o cheiro proveniente das termas, a cor verde dos banhos e o barulho constante. Tanto Séneca como Plínio-o-Velho criticavam a luxúria dos banhos e dos perfumes – Séneca inclusive refere que o cheiro mais agradável de uma mulher seria o seu cheiro natural.

“Eu vivo perto de banhos públicos. Imagine todos os tipos de barulhos irritantes! Um cavalheiro faz o seu exercício com pesos de chumbo; quando ele está a trabalhar arduamente (ou a fingir) eu consigo ouvi-lo a grunhir; quando ele expira a respiração, eu posso ouvi-lo ofegante. Observo um individuo preguiçoso, contente com uma massagem barata e as mãos que o massajam sobre os seus ombros. Os sons variam, conforme o massagista bate nos seus ombros com a mão ôca ou chapa. A partir de tudo isto (…) consegue-se ouvir o homem que grita, pois gosta de ouvir a sua voz nos banhos ou o ‘splash’ da água que o mergulhador faz.”

(Séneca, carta a Lucílio, séc. I d.C.).

Representação das termas romanas por Madilynn Alten.

Para além dos banhos, também as roupas, domus, teatros, templos e outros espaços públicos o perfume era amplamente usado, nomeadamente o perfume pulverizado com rosas. Os militares também usavam o perfume nas suas próprias bandeiras. Plínio refere inclusivamente o facto de existirem escravos que usavam perfume, por ordem dos seus donos.

O declínio do «per fummus»

Com a chegada do Cristianismo, o perfume sofre um declínio. Durante um século, perde a sua essência uma vez que o cristianismo considera o perfume e o banho público um ato de luxúria e de sedução, o que não concilia com a pregação da palavra de Deus sobre modestidade e humildade. Esta luxúria é vista como pecado, perpetuado pelo anticristo.

Mas certamente o uso do perfume voltou a ganhar notoriedade a partir do período Moderno, com a implementação do álcool, permitindo uma rápida evaporação e maior durabilidade. De tal modo que hoje o perfume encontra-se profundamente enraizado na nossa sociedade.

O que achou do nosso artigo? Gostaria de saber mais sobre a arte da perfumaria? Consulte os últimos posts do nosso blog e acompanhe-nos em maisperfumes.com!

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